DISCLAIMER: post longo e que foge um pouco das minhas próprias regras editoriais, leia por sua conta e risco.
Embarco agora de manhã para o Rio de Janeiro. O objetivo inicial da viagem seria apenas participar de um encontro de Open Video que acontecerá Sexta-Feira na FGV organizado pela OVA.
Clip #1410 by Ace on Public Videos
Estou indo dois dias antes no entanto pois aproveitaram o evento (e a presença de gringos na cidade) para organizar outros dois encontros mais ou menos relacionados. O Drumbeat (uma espécie de Barcamp promovido pela Mozilla da qual eu posso falar em outro post) na Quinta-feira e um terceiro evento que acontecerá hoje e amanhã, que é o mais preocupante e o assunto principal deste post.
Dialogando com o Governo
“The most terrifying words in the English language are: I'm from the government and I'm here to help.”- Ronald Reagan
Ha uns 10 dias atrás, o Pixel me mandou um email perguntando se eu estaria no Rio esta semana e se eu poderia participar de uma reunião com membros do Ministério da Cultura, RNP e OVA. Respondi que estaria quinta e sexta a princípio, mas que não me importava em chegar um dia antes para bater papo.
Acredito que quem me convidou sabe minha posição com relação ao Estado (meu inimigo) e minha posição com relação a este governo em específico(eu gostaria de ver Lula sendo julgado pelos crimes que lhe são atribuidos). E se mesmo assim me convidaram, deve ser porque sabem também que eu aprecio discutir ideias, independente de com quem seja.
Na minha cabeça vale a pena perder meu tempo e participar de um encontro com outros produtores de conteúdo aberto a convite de membros de uma burocracia que eu repudio e de um ministério que eu acho que não deveria existir, mesmo correndo o risco de estar emprestando algum nome ou prestigio (que eu nao tenho) para uma causa que não é a minha.
Sou da opinião de que é melhor eu ir, participar e deixar clara minhas posições, do que não ir e ter que ler depois em algum blog por ai que “diversos setores da sociedade foram consultados”.
O Convite
“The urge to save humanity is almost always only a false-face for the urge to rule it.”— H. L. Mencken
Muito bem, abaixo está o convite que recebi por email e por onde eu soube qual seria o tema da “reunião de trabalho” (whatever that means), tomo a liberdade de reproduzi-lo aqui sem autorização:
Caro(a), Fabrício Zuardi
O Ministério da Cultura tem a honra de convidá-lo(a) para participar da reunião de trabalho para a elaboração de uma proposta para o desenvolvimento da "Plataforma Aberta de Conteúdos Digitais", uma plataforma online de áudio e vídeo, pública e livre, baseada em padrões abertos.
O encontro acontecerá nos dias 17, 18 e 19 de março, no Rio de Janeiro e é organizado em parceria com a RNP (Rede Nacional de Ensino e Pesquisa), e OVA (Open Vídeo Alliance). O local e horário da reunião serão confirmados em breve.
Aguardamos sua confirmação o mais breve possível.
Atenciosamente,
Coordenação de Cultura Digital
Cofesso que a dúvida sobre se Fabricio Zuardi é homem ou mulher não me incomoda, afinal é preciso pensar na pluraridade, no começo deste blog pessoas chegavam pelo Google buscando por "fabricio traveco" entre outras, a turma é consciente e nao quer correr o risco de gafes ao convidar transgeneros, gays, lésbicas e travestis (eu sempre me pergunto o pq retiraram os simpatizantes la da sigla quando mudaram de GLS p/ GLBTTT)… enfim. O que eu achei curioso foi a finalidade da reuniao, pois para mim, uma plataforma muito parecida como esta que querem elaborar uma proposta de desenvolvimento já existe.
Chama-se Internet.
Sério:
- Aberta - check!
- de Conteúdos digitais -check!
- online - check!
- suporta audio e vídeo - check!
- pública (dependendo do sentido) - check!
- livre (por enquanto) - check!
- baseada em padrões abertos - check!
Desenvolvimento de sistemas
If any idea can survive a bureaucratic review and be implemented, it wasn't worth doing.- Mollison's Bureaucracy Hypothesis
Sem maiores informações além do que estava no convite, eu seria capaz de apostar que o governo está querendo na verdade é criar mais um site. Pois quando eu vejo anunciarem uma “plataforma” disso ou daquilo por ai, normalmente é como justificativa para contratar alguma agenciazinha “ishxpeirrta” por alguns milhõeszinhos para fazer(como o nariz deles) um “portal” de qualquer coisa, e que depois exige mais contratos para manutenção da bomba em questão (chaching!).
Palavrinha do cão esta também hein… plataforma. Tudo hoje em dia é plataforma, vou te contar… "online video platform", é o que? Youtube? Wikimedia? Hulu? Bittorrent? Blip? Internet Archive? Wordpress? iTunes Store?
Pois bem, ontem, véspera da reunião, recebi um email com um esqueleto da agenda, ao que parece o plano é que os participantes façam um brainstorm sobre as “plataformas”(whatever that means) existentes, suas funcionalidades, para levantar novas ideias, soluções e etc. Até ai nada demais, é saudável colocar um monte de gente que ja trabalha na área para trocar ideias em torno de um tema. Thumbs up!
O problema é que(a julgar pela agenda enviada): existe a intenção (como eu temia) de usar o encontro para chegar em uma especificação de um sistema a ser desenvolvido. Ai já não né moçadinha! Calma lá, não coloquemos os carros na frente dos bois…
Assim fica parecendo que a necessidade da construção de tal plataforma é um fato irrefutável, que já foi amplamente discutido, que é uma demanda do mercado e que é uma boa idéia meter o poder público no meio. Quando na verdade não.
Fora de brincadeira, a programação do evento contém tópicos do tipo: "Definir a Arquitetura do sistema da plataforma", "Definir o modelo de metadados da plataforma", "Projeto de interface", "Elaboração de um roteiro para o desenvolvimento", "Definição dos recursos necessário".
Como diria o poeta: “cada um no seu quadrado”. Que raios tem o Ministério da Cultura, ou a RNP que seja, que se meter no desenvolvimento de sistemas para usuários finais?
Não estou discutindo aqui a validade de pesquisas acadêmicas de ponta financiadas com o dinheiro público, não é este o caso. Se a RNP estivesse, sei lá, querendo contribuir com a melhora do Dirac através de pesquisas de algoritmos de compressão baseados em wavelets ou o que quer que seja, eu não acharia a iniciativa tão ruim. Pesquisa é uma coisa, criação de produto é outra. E se o produto é um sistema web então… esquece, há incentivos de sobra nesta área para que soluções poderosas, abertas, colaborativas, inovadoras, de qualidade e de sucesso surjam sem interferência estatal/burocrática.
A impressão que eu tenho é a de que alguém quer propor o uso do nosso dinheiro num projeto fadado ao fracasso: Um YouTube.gov dos mesmos que nos agraciaram com a "TV traço", o blog do Planalto e o "Google Brasileiro".
— Porra Fabricio! Quanto rancor! O mundo não é preto e branco… veja o outro lado.
Eu sei, eu sei, não estou querendo miar o evento nem ser o do contra, prometo que vou lá, vou ouvir bastante e vou procurar entender as motivações, necessidades e crenças dos outros da reunião de trabalho, não necessariamente quero briga e estou disposto a ser contrariado e convencido, as usual. Só quero propor uma discussão anterior, na minha opinião antes de discutirmos quem vai andar na janela do Fusca é necessário dar um passo atrás e questionar se o Fusca é de fato o que queremos. Eu particularmente não quero.
Apêndice: Como politicas públicas do Brasil poderiam ser melhoradas para ajudar o vídeo livre?
There can be no freedom in art and literature where the government determines who shall create them.- Ludwig von Mises
Para não terminar o post num clima ranzinza, e para não parecer que eu só critico e não adiciono nada de positivo ao debate, segue abaixo duas simples propostas de ações por parte do poder público que podem influenciar positivamente o avanço do vídeo livre no Brasil. Retirado de uma entrevista que respondi para um levantamento que está sendo feito com produtores de conteúdo aberto no brasil, é a resposta para a pergunta do titulo acima.
Existem varias maneiras de ajudar o video livre no brasil através de mudanças nas políticas públicas, vou tentar citar algumas…
1- Democratizar o acesso a equipamentos eletronicos. Não através de leis de incentivos que beneficiam uma classe ou através de incentivos financeiros em forma de editais para dar grana para meia dúzia, isto não é democratização. A forma mais simples de realmente beneficiar TODOS é por meio de uma redução significativa nos impostos de importação, para TODOS os setores.
2- Cortar os incentivos para produções nacionais. Existe no Brasil uma certa inércia e comodismo, uma cultura de poder contar com um dinheiro a fundo perdido para produzir algo sem compromisso com qualidade, isto é na minha opinião algo que inibe inovações verdadeiras. Se fosse possivel quebrar esta cultura do Estado paizão, não só haveria menos desperdício do dinheiro público como os proprios movie-makers teriam que ir atrás de meios e formatos de produção alternativos, área onde o video livre apresenta vantages.
Um comentário:
HAHAHAHA muito bom não levar para o lado pessoal a dúvida quanto ao seu gênero. O mundo é sim preto e branco. Diferente é só os olhos de quem o vêem. Tem gente que é muito colorido.
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