segunda-feira, dezembro 01, 2008

Minha Crítica à "Carta de São Paulo pelo Acesso a Bens Culturais"

Ontem antes do almoço, um colega com o qual eu pouco converso por uma dessas coincidencias da vida me mandou uma mensagem de IM por engano, foi o suficiente p/ começarmos uma tentativa de botar o papo em dia, e ele acabou me enviando o link para um abaixo assinado ao qual ele simpatiza. Era uma carta pedindo reformas na lei de direitos autorais brasileira, e eu por me interessar pelo assunto imprimi e levei comigo pro almoço para poder ler com calma…


xkcd.com

Muito bem, li e não gostei. Sem entrar no mérito do fato da coisa ser um "abaixo assinado" o que por si só já me causa certa repulsa, independente do conteúdo, pois acho que este tipo de petições é uma das maneiras mais ineficientes para se atingir qualquer objetivo. Aqui vai a minha análise da proposta:

A proposta tem 10 pontos/sugestoes de mudança, já começa por aí, precisa de tanto? Enfim, se forem 10 pontos bons/relevantes/importantes até que da p/ encarar, sem preconceito, vamos um a um:

1)Pode ser interpretada como uma tentativa de oficializar o fair-use no Brasil, o que é bacana, mas do jeito que está redigida da margem a oficialização da pirataria, e não é disto que precisamos.

Por exemplo, quando Lessig em seu mais recente livro fala de descriminalizar a cópia, ele é bem cuidadoso de dizer que o foco da lei deveria migrar de "cópias" para "usos", e que mesmo os usos para fins pessoais, como file sharing devem dar algum tipo de royalties para os autores. Ou seja, não é "libera-geral".

2)Quase o mesmo problema da 1) porém mais fácil de encarar.

3)OK, é a mesma de 7.a

4)Quase ok, falta saber o que é uma tentativa razoável de determinar a autoria

5)Totalmente OK!

6)NÃO. Motivo: intervencionismo. Deixe que autores e editoras se entendam, o autor deve ser livre p/ escolher a editora que lhe ofereça o contrato mais razoável(ou publicar ele mesmo caso nao exista tal editora), o Estado não deve ter nada com isso.

7)Trata de duas coisas diferentes, a primeira parte "Remoção do artigo que proíbe o contorno de travas anti-cópia" OK, tem meu apoio. Já a segunda (proibir DRM) NÃO, motivo: intervencionismo.

8)NÃO. Motivo: da forma que está, da margem a abusos intervencionistas. Quem diz o que seria uma restrição não razoável de acesso à obra?

9)Não sei do que se trata. E o texto está genérico de qqer forma.

10)Totalmente OK. Óbvio.

No placar geral, das 10, apenas 2 são consenso e quase que indiscutíveis, a #5 e a #10. O resto parece estar lá como tentativa de aproveitar o embalo.

Aproveitar-se da necessidade de revisão nas leis de copyright, que já é quase senso comum e que pouca gente sensata iria contra para propor um pacotão abrangente e controvérso não é o caminho.

Na minha humilde opinião, a necessidade de mudança existe, mas é preciso foco, sem foco a iniciativa perde o apoio de muita gente que se simpatiza com a cultura livre mas que não está de acordo com radicalismos de centro acadêmico.

4 comentários:

|E|L|D|E|S| disse...

Apoiado, Fabrício!

Sou ilustrador e como tantos outros colegas, luto constantemente para melhorar as condições de trabalho da minha profissão.

A atual lei de direitos autorais foi um avanço para tentar equilibrar a balança entre os autores e os seus clientes.

Essa reforma foi bastante discutida pelos associados da ABIPRO (Associação Brasileira dos Ilustradores Profissionais - www.abipro.org), da qual sou associado. E um dos pontos que mais me preocupa é justamente como definir o que é o que não é uso comercial.

Segue cópia de partes de mensagens dessa discussão, mostrando um pouco a questão pela ótica do autor (ilustrador, no caso):


"Se a Lei de Direito Autoral for alterada para permitir o livre acesso sem remuneração garantida ao autor, será o fim dos artistas como profissionais especializados, voltaremos a idade média."



"O direito à propriedade é garantido por constituição, e dentre as propriedades existe a propriedade intelectual.

Deixar que algum tipo de propriedade simplesmente deixe de existir seria acabar e criar jurisprudência para que toda e qualquer outro tipo de propriedade deixe de existir.

A partir do momento em que uma pessoa, artista ou empresa não tiver mais garantia daquilo que criar, fabricar ou comprar, TODO o sistema comercial correrá o risco de deixar de existir. Nenhuma empresa irá mais investir em novas tecnologias, nem em novos produtos, pois ela não terá nenhuma garantia de obter retorno financeiro que justifique um investimento."

|E|L|D|E|S| disse...

Mais um comentário: sobre o item 6:

6) Proibição da cessão definitiva e exclusiva da obra, limitando o prazo de tal cessão a cinco anos.

Pensando melhor, eu também seria contra esse item se o mercado de ilustração já estivesse maduro suficientemente.

Mas o que acontece na grande maioria das editoras é impor um contrato de CESSÃO de direitos autorais em vez de um contrato de LICENÇA de direitos autorais.

E qual a diferença?

Cessão implica em ceder todos os direitos patrimoniais para a editora, ou seja, permitindo que ela use a ilustração por tempo irrestrito e em número irrestrito de publicações. E não é raro deparar com alguns contratos que ainda permitem à editora licenciar a ilustração para outros clientes (como um banco e imagens).

Até aí tudo bem, se a remuneração fosse de acordo com esse uso sem restrições, como por exemplo de três a cinco vezes o valor referente ao uso para o qual a ilustração foi encomendada originalmente (ou de cinco anos, previsto na própria Lei, se não especificado o uso em contrato). Contudo, na quase totalidade desse tipo de caso, o único preço aceito pela editora é o equivalente ao uso da ilustração somente para a encomenda original.

Problema para editora, porque assim o ilustrador não aceitaria essas condições, certo?

Errado. Porque, na prática, a editora vai encontrar alguém que aceite. Porque o mercado está cheio de profissionais - ou "profissionais" - que vão aceitar essas condições impostas, ou por vaidade/ego, ou por necessidade financeira, ou simplesmente por ignorância da LDA e do business de ilustração.

Portanto, no plano ideal também sou contra esse item 6. Mas no plano real, esse item me parece muito tentador para equilibrar a balança para o lado mais fraco da negociação; aliado, é claro, a ações para educar os novos profissionais que estão ingressando no mercado.

Fabricio disse...

Fala Eldes,

O link que vc mandou faltou um r, www.abipro.org :)

Não vou discutir os méritos desta ou daquela associação, seria assunto p/ um outro post (basta dizer que eu faço cara torta para organizacoes que querem "regulamentar a profissão").

Mas eu consigo ver o lado dos ilustradores(e dos fotógrafos e dos músicos) neste caso do direito autoral. Só pq Watchmen é uma grande obra não significa que qualquer um deve por lei ter acesso grátis a ela sem remunerar de alguma forma o autor e o ilustrador.

Emprestar um gibi p/ um colega no entanto é fair-use, e não deveria ser crime. Por outro lado, escanear o gibi e botar no rapidshare como "backup" sem autorização prévia é malandragem. É virtualmente inevitável/impossivel de barrar, e eu não acho que o governo deveria se meter nisso tb(policiar a web), mas que é errado é.

Diferente do caso da quebra de patentes para remédios (não estou dizendo que sou a favor, só que aceito melhor pois eles tem um argumento mais forte), licenciar compulsóriamente o Watchmen p/ free não vai salvar a vida de ninguém.

Só o que a humanidade já produziu de cultura e que se encontra em domínio público(e ai entra a importancia de diminuir o tempo para uma obra caducar), já é mais do que suficiente para uma excelente formação do indivíduo. E a partir daí ele terá fatalmente condições de complementar sua formação com obras contemporaneas pagas(quero acreditar que nínguem que tenha lido os clássicos fica sem emprego no mundo).

Fabricio disse...

@Eldes, a respeito do ítem 6:

Concordo que ilustrador ou escritor nenhum deveria aceitar contratos de cessão perpétua dos direitos de uso de suas obras. E isso num ambiente de livre mercado se combate com conscientização e CONCORRENCIA. Não com interferencia Estatal no mercado.

Existe mercado para uma editora que tenha como mote "we are not evil", só precisa alguém com coragem de ser pioneiro nesta área, assim como a Magnatune e tantos outros netlabels e selos independentes estão sendo p/ a área de música.

Estão tendo que bater a cara, se arriscar e inventar novos modelos de negócios, além de competir com a máfia existente. Mas são bem vistas pelo lado dos artistas, que recebem deals bem mais realistas e justos, sem precisar se prostituir ou vender a alma.

Podendo escolher entre uma editora sacana e uma razoável, ou mesmo, em tempos de lulu.com, chutar o balde da editora por completo. Muita gente vai se arriscar com as novas opcoes enquanto que muitos outros vão se render ao comodismo de continuar pelo caminho nabo-rabo consagrado, para ter em troca sua obra em uma editora de prestígio.

São escolhas, e cada um deveria ser livre para fazê-las sem nenhum tipo de assistencialismo Estatal forçado.